Quando
vivia em Meca, Maomé estava rodeado de inimigos. Ainda que nessa lançasse
ameaças, nunca se comportou de forma violenta. Agora já era uma força política
e decidiu cumprir as ameaças do passado. O Corão reflete de forma clara esta
mudança. Tanto é que ele é dividido em Corão de Meca e Corão de Medina. Dado
que ele não está em ordem cronológica, fazer esta distinção não é uma tarefa
simples para um secular. No entanto, depois que se ordena o Alcorão cronologicamente
fica fácil de ver.
Excerto do Corão de Meca:
88:21-24 Admoesta, pois és um admoestador sem
autoridade sobre eles. Quanto àqueles que viram as costas e se afastam, Deus
lhes inflingirá o castigo maior.
Comparemos com o Corão posterior de Medina:
8:12-14 E quando teu Senhor disse aos anjos: “Sim,
estou convosco. Fortificai os crentes. Infundirei o terror no coração dos
descrentes. Separai-lhes a cabeça do pescoço; batei em todos os seus dedos.”
Assim castigamos porque romperam com Deus e Seu Mensageiro. E quem rompe com
Deus e seu Mensageiro, Deus pune com rigor. E dissemos-lhes: Provai Nosso
flagelo. Aos descrentes reservamos o suplício do fogo”.
Maomé
deixou claro que sempre que houvesse uma contradição no Corão, o verso mais
antigo seria ab-rogado (ficaria substituído) pelo mais recente. Como o Corão
não foi compilado seguindo uma ordem cronológica, fica impossível compreender o
texto sem saber quais os versos foram ab-rogados. Os muçulmanos frequentemente
destacam as partes não violentas do Corão de Meca, mas não são capazes de dizer
que estes versos foram substituídos por versos posteriores.
Agora
quero que prestem atenção, porque vou explicar uma faceta muito importante do
Islã que parece um tanto complexa, mas que é relevante para compreendê-lo.
Tal
como vimos, os versos posteriores do Corão substituem os que foram escritos
antes e já sabemos que o Corão é considerado a palavra perfeita de Alá. De acordo
com a lógica ocidental, quando duas coisas se contradizem uma a outra, uma deve
estar equivocada. Porém a lógica islâmica opina que duas coisas podem se
contradizer e ao mesmo tempo serem as duas corretas.
O
Corão diz aos muçulmanos que sigam o exemplo de Maomé, mas qual exemplo? Em
Meca, Maomé nunca usou a violência contra os kuffar e ao início até se mostrava
um tanto tolerante com outras religiões. Uma vez em Medina, Maomé recorria a
violência quase todo o tempo para conseguir seus objetivos e não mostrava a
mínima tolerância aos kuffar.
O
Corão de Medina é posterior e portanto ab-roga os versos do Corão de Meca mas,
este último continua sendo válido, porque o Corão (e Maomé) é perfeito. Então
um muçulmano pode seguir qualquer dos dois exemplos, ainda que seja melhor o de
Medina porque é posterior. Então, como se sabe qual escolher? Como de costume,
devemos nos fixar no exemplo de Maomé. Em Meca, Maomé não era poderoso e estava
rodeado de inimigos. Durante esse tempo, ele pregava a tolerância e a não violência.
Quando emigrou a Medina, se converteu em um homem poderoso e empregava a
violência com frequência para conseguir suas metas.
O exemplo de Maomé sobre como deve se comportar
um muçulmano não é sempre coerente mas varia de acordo com as circunstâncias.
Quando você não se encontra em uma situação de poder, é melhor se calar e não
chamar atenção. Deve-se aproveitar esse tempo para aumentar sua força e o
número de seguidores, até obter o poder necessário para iniciar a jihad. Este é
o exemplo de Maomé, ou “Sunna”, que
aparece nos hadices (tradições de Maomé) e na Sira (sua biografia).
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